17 de jun. de 2014

Fanfics, conhece?

Por Beatriz Nery
E viveram felizes para sempre. Fim. Fim? Nem sempre, até porque quando se lê um livro e assiste a um filme ou série, tem aquele personagem maravilhoso que, do nada, morre, ou aquela mocinha tão fraquinha que, na sua concepção, ela poderia ser um pouco mais forte em suas decisões. Tá esperando o quê para escrever do seu jeito? É possível!
Pois prepare-se para conhecer o mundo das fanfics. Um mundo mágico que existe há muitos anos na internet, por meio das comunidades virtuais e, sim, eu sei que você não sabia. Essa prática de letramento é muito comum dentro dos fandons (variação de kingdom, que aqui seria reino de fãs) que trabalham diretamente em um único segmento. Os mais comuns seriam Harry Potter e os diversos animes, dentre eles Naruto, Sakura e Cavaleiros do Zodíaco. Ainda está se perguntando em como isso é possível e até permissível, eu sei. Vou te explicar, ou melhor, os ficwriters vão.
Eu estava procurando material de Yami No Matsuei e acabei encontrando um site onde tinha essa seção chamada Fanfics. Quando acessei e comecei a ler, fiquei verdadeiramente interessada, não sabia que existiam pessoas que escreviam histórias com base nas tramas e personagens de outras pessoas. E foi aí que comecei a ler tudo que havia naquele site, e acabei encontrando fanfics de Gundam Wing, que é o fandom que mais me identifiquei até hoje”, relembra BlanxeYui, pen name de Anna Oliveira, professora de português no Rio de Janeiro, RJ.

Não sei dizer exatamente quando eu comecei a ler/escrever fics! Que loucura, é engraçado tentar lembrar isso, parece que é algo que eu sempre fiz”, suspira Mariana Felipe, estudante de sociologia, de Curitiba, PR, fã enlouquecida de Sherlock Holmes.

As fanfics, em seu início, estavam localizadas em comunidades virtuais dentro de fóruns com um específico fandom. Fóruns são locais de acesso restrito dentro dos sites destinados aos debates e pesquisas incessantes sobre o determinado ‘objeto’ de adoração e, também, locais para fanfictions.

Eu participava do fórum da banda Panic! At The Disco em 2006 e era bem ativa nos posts sobre a banda, suas músicas e os integrantes, principalmente as características deles. Havia uma parte dentro do fórum intitulada ‘Fanfics’ e resolvi clicar. Comecei lendo e daí me interessei a escrever uma”, conta Thaís Kuceki, que era conhecida no fórum pelo pen name de Fadinha, hoje é formada em Letras, trabalha em uma biblioteca em São Francisco do Sul, SC.

Perceberam algo em comum nas profissões das duas? Sim, elas lidam com palavras e livros e não é a toa que se apaixonaram pelo mundo da ficção e das fanfics. O fenômeno das fanfics se tornou em algo tão concreto que diversas autoras que hoje participam do mercado editorial literário, e que possuem o titulo de escritoras deixando para trás a alcunha de autoras, foram no passado, não muito remoto, autoras de fanfics.

Torço para que o mercado literário preste muita atenção nos escritores de fanfictions, pois possuem escritores excelentes que já possuem fãs leais”, comenta Kya Montsho, pen name de Natália Estevam, estilista, do Rio de Janeiro, RJ.

Kya e Blanxe moram no Rio. Blanxe foi a primeira ficwriter nacional que Kya leu. “Tinha preconceito com as histórias nacionais”, confessa, vendo que estava redondamente enganada. Blanxe, que escreve fanfics dos animes Gundam Wing e Naruto leva o leitor em suas histórias a universos totalmente distintos dos originais.

GundamWing, produzida pela Sunrise, é um anime que trata da história de cinco garotos que pilotam robôs (mobile suits) para lutar contra a Terra, desgastada e com super população, a favor de seus satélites artificiais, locais criados para que os humanos pudessem morar, denominadas colônias.

Um anime que traz ação e suspense, na cabeça de Blanxe, pode ser transformado em histórias românticas com muita angústia, buscando elementos da sociedade atual, como prostituição, situações familiares e do trabalho.

Essa relação online dentro das comunidades virtuais é tão forte, que autoras e leitoras se conhecem por anos e nunca sequer se encontraram ou cogitam isso. Apesar de morarem na mesma cidade, Kya e Blanxe apenas se encontraram duas vezes. Elas não se tratam como Natália e Anna, mas sim pelos seus pen names. “Conheço outras autoras pessoalmente e nutrimos uma amizade forte e sempre nos tratamos pelos nossos pen names, mesmo pessoalmente”, reforça Kya.

A maioria das pessoas não entendem as fanfics, acha perda de tempo, sendo que é fato que a leitura constante ajuda na escrita e quanto mais fics você lê, mais você quer escrever e isso beneficia muito sua vida acadêmica. Eu, por exemplo, consigo ler fics em inglês tranquilamente agora, e se eu posso ler fics em inglês, posso ler muita coisa em inglês!”, Mariana se vangloria.

Isso é uma constante briga que Maria Lúcia de Bandeira Vargas trava em seu livro O fenômeno fanfiction: novas leituras e escrituras em meio eletrônico”, da Editora Passo Fundo. Em um dos capítulos, ela nos convence que a prática da fanfic pode ser, sim, trazida ao mundo off-line e usada como um objeto de estudo para alunos em período escolar, para influenciar desde sua leitura e, consequentemente, sua escrita.


Anna Oliveira (Blanxe), que é professora, concorda com isso. “Para quem tem vontade de escrever, as fanfics oferecem um campo de aprimoramento maravilhoso. Nós temos contato direto com o leitor, que muitas vezes aponta onde o texto precisa melhorar, onde estamos acertando. É um treinamento constante da própria escrita. Isso só me faz querer escrever mais e mais”, disse.